APOSTAR NO FUTURO COM A INSPIRAÇÃO DO PASSADO
Aos primeiros anos do século XXI, ainda é possível ousar adoptar exemplos de um passado distante para projectar o futuro. Neste caso, é a Associação Empresarial de Viana do Castelo, AEVC, a recuar ao século XIX e a beber do empreendedorismo do grupo de homens que a fundaram, então com o rótulo de comercial no lugar do empresarial de hoje.
Estávamos em 1852. O tenente Matheus José Barbosa e Silva foi o mentor da ideia mas não o primeiro presidente, honra que coubea Matheus António dos Santos Barbosa. Nascia a Associação Commercial de Vianna do Castelo, fundada por alvará régio concedido pela Rainha D.Maria II. A validação surgiu a 7 de Dezembro de 1852 com a publicação de um decreto assinado por Fontes Pereira de Melo e publicado no Boletim do Ministério das Obras Públicas, Commercio e Industria. Nele, a monarca sancionava os primeiros estatutos da associação, destinada a “indagar as necessidades do comércio e indústria da localidade e procurar todos os meios legais para satisfaze-las. Estudar e defender os interesses comuns dos associados e promover o desenvolvimento de tudo quanto possa contribuir para a sua prosperidade”.
Esse documento dos primeiros Estatutos sobreviveu a todas as convulsões e está na actual sede da Associação, a “Casa dos Torrados”. No edifício, situado na Rua João Tomás da Costa, nasceu e viveu Abel Viana (1).
O que não está na posse da Associação é o primeiro alvará, de que já falámos. Julga-se que estará na Torre do Tombo, Arquivo Nacional, porque, como reza a história, não era pacífica a relação entre Dª. Maria II e seu tio, D. Miguel. Assim, o mais antigo Alvará na posse da Instituição data de 12 de Outubro de 1904.
A primeira acta dá conta da eleição da primeira direcção da Associação Commercial, assim constituída:
Presidente – Matheus António dos Santos Barbosa, eleito com 30 votos; Secretários/Vogais – José Caetano da Silva, 29 votos; Matheus José Barbosa e Silva, 32 votos; José Dias Alves Vianna (29 votos); José Thomás de Souza Guimaraens, 27 votos.
O pensamento do grupo de comerciantes e empresários fundadores da Associação era o de aproveitar o porto de Viana do Castelo para expansão dos negócios e exportações dos seus produtos. Importa salientar que este porto minhoto era, na altura, mais importante do que o de Matosinhos. Era esta aposta, nas exportações, que relevava a importância de Viana em relação a Matosinhos, apesar da proximidade deste porto de mar com a cidade do Porto. Isto porque a localização estratégica de Viana permitia-lhe relações comerciais frutíferas, como, por exemplo, a que manteve com o porto de Cork (cortiça), na Irlanda.
De Viana exportava-se milho, vinho e outros bens de produção regional. É muito importante esta referência à produção da região entre Douro e Minho, porque também ajudava a fazer a diferença para Matosinhos, porto que só emergiu após a ascensão ao trono do rei D. Carlos.
Outro aspecto que os comerciantes de Viana souberam rentabilizar, uma vez mais com o decisivo apoio da sua Associação, foi a proximidade com o porto da Corunha, na altura um dos mais importantes da frente Atlântica da Península Ibérica. O comércio fazia-se de Viana para a Corunha e daqui para o Brasil. Após a independência do Brasil, manteve-se a ligação Viana-Corunha e daí os produtos seguiam para vários destinos europeus, sobretudo Irlanda, Bélgica e Países Baixos.
Por esta altura intensificava-se, também, a ligação entre os portos de Viana do Castelo e de Genk, na Flandres, a região Norte da Bélgica. Aos produtos já mencionados, importa acrescentar o vinho do Porto, que foi ganhando peso neste leque de exportações, mais, até, do que o vinho verde, produto nobre da região. Foi assim até à criação da Real Companhia Velha, altura em que o grosso da exportação de vinho do Porto passou a ser feito a partir de Matosinhos.
Cabe aqui referir um episódio que tão bem ilustra a importância da exportação do vinho do Porto para terras irlandesas. Julga-se que ainda hoje a marca Jameson, que produz o único whisky do mundo que é destilado três vezes, utiliza, para apurar o aroma frutado, cascos de vinho do Porto que partiram de Viana do Castelo. Outra convicção actual é a de que várias das pipas actualmente em exposição na Jameson partiram do porto de Viana do Castelo, cheias com vinho do Porto, há mais de um século.
Em suma, é da força destas exportações e rotas comerciais que nasce a Associação, muito mais do que da existência de lojas e pequenos comerciantes. Até porque existia, na cidade, um enorme entreposto onde os grandes comerciantes faziam os seus maiores negócios. Isto apesar de serem, quase todos, residentes em Ponte de Lima.
Entretanto, nasce outro grande fenómeno, a Feira Semanal em Viana do Castelo, em finais do século XVIII. Já no século XIX, a iniciativa de uma tal dimensão que quase todos os grandes vultos da literatura nacional a ela se referiram nas suas obras. Numa das edições das Farpas, Ramalho Ortigão refere-se-lhe como um grande entreposto comercial. A feira só começou a perder importância regional em meados dos anos 90 do século XX.
Esta feira tinha lugar todas as sextas-feiras, no espaço entre o jardim frontal às instalações da Associação até à zona do porto. Rapidamente se transformou na mais importante feira da região. Entre muitos outros produtos, ali era possível encontrar os lenços dos namorados de Vila Verde ou os cavaquinhos de Braga. Vinham os artesãos de filigrana, vinham os primeiros comerciantes de ouro, que depois se instalaram em estabelecimentos comerciais, tal como outros comerciantes de outros produtos característicos do Minho.
Ainda antes da implantação da República, cabe aqui uma referência a dois pormenores importantes que mexeram com o comércio e com a cidade de Viana do Castelo. Quando morre Dª. Maria e ascende ao trono D. Carlos I, o novo monarca visita Viana, num dos primeiros carros que existiram em Portugal.
Ainda sob o impulso dessa visita, quando, por iniciativa de Fontes Pereira de Melo (2) começa a construção da linha férrea em Portugal, pelo litoral, a Associação faz chegar a Lisboa, pela mão do deputado Manuel Espregueira (3), um dos primeiros directores da então Companhia dos Caminhos de Ferro, a proposta para que o comboio chegasse a Viana, a partir do Porto.
A proposta foi aceite, daí a construção da ponte Eiffel, há 153 anos. Posteriormente, nova vitória das forças do comércio da região, quando os comerciantes locais conseguiram levar o caminho-de-ferro até Valença do Minho, para poderem expandir os seus negócios.
Tudo isto surgiu nos últimos anos da Monarquia e, não por acaso, Viana do Castelo foi um dos últimos bastiões a ceder à República. Conta-se mesmo que a bandeira monárquica esteve ainda hasteada no Largo após a implantação da República, até 1912. Há, até, uma muito interessante prova física deste facto histórico, uma das primeiras bandeiras da Associação, com as datas 1852/1912.
É também a Associação que denuncia, nos últimos anos do século XIX, os primeiros actos de contrabando, de comércio ilegal, entre o Norte de Portugal e a Galiza. Esta actividade surgiu porque, devido ao peso dos impostos, era mais rentável ir a Vigo buscar as mercadorias para vender em território português, numa espécie de economia paralela. Até porque não havia, na altura, grande controlo das fronteiras. Dizia-se que “em Braga é vendido açúcar espanhol mais barato que em Viana”.
Conseguida a linha férrea, havia que voltar atenções para o porto de mar, a necessitar de intervenção porque já não satisfazia as necessidades do comércio da região, constatação uma vez mais feita por Manuel Espregueira.